
Estado de Mal Epiléptico: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica na Unidade de Terapia Intensiva
Estado de Mal Epiléptico: Abordagem Diagnóstica e Terapêutica na Unidade de Terapia Intensiva
Palavras-chave: Estado de mal epiléptico, crise convulsiva, terapia intensiva, sedação contínua, EME refratário, EEG, protocolo de emergência.
Resumo
O estado de mal epiléptico (EME) é uma emergência neurológica crítica, definida como atividade epiléptica contínua por mais de 5 minutos ou crises convulsivas recorrentes sem retorno à linha de base neurológica. Sua identificação precoce e manejo escalonado são essenciais para evitar lesão cerebral permanente, disfunções sistêmicas e mortalidade. Este artigo propõe uma revisão prática, baseada em protocolos atuais e literatura especializada, abordando diagnóstico, fases terapêuticas, medicações de escolha, monitoramento eletroencefalográfico (EEG), e o papel da equipe multiprofissional na UTI.
1. Introdução
O EME representa uma condição crítica e tempo-dependente que exige intervenção imediata. A definição atual, proposta pela International League Against Epilepsy (ILAE), considera o tempo mínimo de 5 minutos de crise como ponto de corte para início do tratamento, visando evitar lesões neuronais. Crises que ultrapassam esse tempo são menos propensas à resolução espontânea e mais associadas à refratariedade terapêutica e complicações sistêmicas【Glaser et al., 2008; Trinka et al., 2015】.
2. Fisiopatologia e Impacto Clínico
A fisiopatologia do EME envolve a perda progressiva da inibição neuronal (via GABA) e o aumento da excitabilidade (via glutamato), levando à cascata de citotoxicidade, disfunção mitocondrial, inflamação e, eventualmente, necrose neuronal. As consequências incluem:
Hipóxia cerebral
Acidose metabólica
Rabdomiólise
Hipertermia
Disfunção multiorgânica
3. Classificação Clínica
EME convulsivo: manifestações tônico-clônicas sustentadas, com alto risco de morbimortalidade.
EME não convulsivo (NCSE): sem manifestações motoras evidentes, geralmente identificado por rebaixamento de consciência + EEG anormal.
EME refratário: persiste após uso de dois anticonvulsivantes adequados.
EME super-refratário: persiste por mais de 24 horas mesmo com sedação contínua, ou recorre após sua retirada【Manual Prático de Medicina Intensiva, 2009】.
4. Protocolo de Manejo por Fases
Fase 1: Estabilização (0–5 minutos)
Objetivo: suporte vital imediato.
ABCDE: via aérea, ventilação, circulação.
Monitorização contínua.
Hemoglicoteste: se <60 mg/dL → Tiamina 100 mg + Glicose 50% 50 mL EV.
Coleta de exames: eletrólitos, função renal/hepática, toxicológico, gasometria.
Considerar entubação se rebaixamento de consciência (Glasgow < 8).
Fase 2: Terapia Inicial (5–20 minutos)
Benzodiazepínicos (escolher um):
Diazepam: 0,15–0,2 mg/kg EV (máx. 10 mg/dose).
Lorazepam: 0,1 mg/kg EV (máx. 4 mg/dose).
Midazolam: 10 mg IM (ideal em ausência de acesso EV).
➡️ Repetir dose se necessário em 10–15 minutos.
Fase 3: Terapia Secundária (20–40 minutos)
Se a crise persiste após BZD, utilizar 1 opção:
Fenitoína: 20 mg/kg EV (infusão ≤ 50 mg/min).
Fosfenitoína: 20 mg PE/kg (infusão rápida e mais segura).
Ácido valproico: 40 mg/kg (máx. 3.000 mg).
Fenobarbital: 15 mg/kg EV.
Fase 4: Terapia Terciária (40–60 minutos)
Indicada em EME refratário.
Sedação contínua com indução de coma:
Midazolam: 0,2 mg/kg bolus + 0,05–2 mg/kg/h
Propofol: 3–5 mg/kg bolus + 30–100 µg/kg/min
Tiopental/Pentobarbital: em contexto com EEG contínuo
5. EEG e EME Não Convulsivo
Até 25% dos EME são não convulsivos e só detectáveis via EEG. A ausência de resposta clínica após administração de anticonvulsivantes não descarta a atividade elétrica.
EEG contínuo é obrigatório nos casos:
Comatosos
Sem melhora clínica
EME refratário ou super-refratário
6. Complicações e Prognóstico
Complicações: rabdomiólise, aspiração, pneumonia, arritmias, SDRA.
Prognóstico:
Mortalidade global: 10–30%
EME refratário: até 39%
Super-refratário: acima de 40%
Recorrência em 40–48% dos pacientes tratados【Vasquez et al., 2012】.
7. Papel da Enfermagem e Equipe Multiprofissional
Identificação precoce das crises
Administração segura das medicações em fases
Controle rigoroso dos parâmetros vitais e sinais neurológicos
Apoio ao paciente e familiares
Colaboração em exames complementares e EEG
8. Considerações Finais
O EME é uma síndrome neurológica grave e tempo-dependente. A abordagem por fases permite tratamento racional e eficaz, reduzindo morbidade e mortalidade. O uso precoce de EEG, a monitorização contínua e a atuação da equipe multiprofissional são essenciais para o sucesso terapêutico. A capacitação das equipes e a padronização de protocolos devem ser prioridade em ambientes críticos.
Referências
Glaser T, Shinnar S, Gloss D, et al. Evidence-Based Guideline: Treatment of Convulsive Status Epilepticus in Children and Adults. Epilepsy Currents. 2016.
Trinka E, Cock H, Hesdorffer D, et al. A definition and classification of status epilepticus. Epilepsia. 2015;56(10):1515–1523.
Holtkamp M. EFNS guideline on the management of status epilepticus in adults. Eur J Neurol. 2006;13(5):445–50.
Vasquez P, et al. Neurocritical Care Society Guidelines for Evaluation and Management of Status Epilepticus. Neurocrit Care. 2012;17:3–23.
Manual Prático de Medicina Intensiva. Westphal, G.A.; Caldeira Filho, M. Segmento Farma, 2009.
HAMI – Unidade de Terapia Intensiva. Livro Didático. 2023.
Kimoto S, Doherty CP. Status epilepticus: a modern approach to diagnosis and treatment. J Neurol. 2004;251:189–97.
Lowenstein DH, Alldredge BK. Status epilepticus. N Engl J Med. 1998;338(14):970–6.